Parto cesariana da mamãe Vitória Bernardes com lesão cervical C5 e C6

Na foto vemos o médico com a Lara na mão mostrando para Vitória.
Minha avó teve 09 partos normais domiciliares e 02 partos normais em hospital. Aprendi que para cólica tem chá de funcho, dor de barriga chá de marcela, dor de cabeça/ansiedade, toma um chazinho de laranjeira que tá resolvido. Minha cultura sempre foi voltada ao natural, como quem reverencia a tudo que a natureza faz e nos oferece. Casei com uma pessoa que em sua família o parto normal é motivo de luta e orgulho. Em meio a uma cultura cesarista, o parto normal pra mim era praticamente uma obrigação. 

Quando fiquei grávida, mesmo antes de assimilar a complexidade de ser responsável por uma nova vida, na 1ª consulta ouvi que meu parto poderia ser/seria normal. Sem saber os motivos, este obstetra disse que não acompanharia minha gestação, mas me orientou a ter meu parto no Hospital de Clínicas, mesmo que fosse pelo SUS – o que faria com que eu não tivesse um acompanhamento contínuo com os profissionais – pois se acontecesse algo derivado a escolha pelo parto, lá teriam outras especialidades médicas para me atender.
 Vulnerável e desamparada, parti em busca de um novo profissional. Na primeira (e também única) consulta a nova obstetra me garantiu que a única via de parto possível para minha condição física era a cesárea e que isto independia de vontades/sonhos. Não aceitei a imposição e, muito menos, a ideia de não ter escolha sobre meu corpo. Lá fui eu em busca de alguém que respeitasse a MINHA gestação. 
 Logo em seguida tive uma pielonefrite (infecção dos rins) e como ainda não tinha plano de saúde, fui ao Hospital de Clínicas. Lá passei por momentos muito difíceis, principalmente pela demora no atendimento e o medo de que aquilo pudesse prejudicar o desenvolvimento da minha filha. Tomar medicações fortes e não podê-la proteger, mesmo estando dentro de mim, foi um soco na alma.  
 Em meio ao medo e a preocupação, comecei a pedir indicação de obstetras aos profissionais de saúde que me atendiam. O nome mais recorrente foi: Cristiano Salazar. Por ser muito requisitado, ele só teria espaço na agenda em 01 mês, o que seria perfeito, já que teria a liberação do plano de saúde neste mesmo período. 
 Nisto, já havia completado 05 meses e, devido à pielonefrite, estava em licença saúde desde o 3º para o 4º mês de gestação.  
 Lembro que no dia do atendimento eu estava sorridente, que é como me protejo habitualmente, mas apreensiva. Entrei no consultório e posso dizer que foi paixão a 1ª informação. Fui tratada como gestante, que tem como característica uma deficiência, na qual não pode ser ignorada, mas também não sobressalente a minha identidade de gênero.  
 O plano desde o início foi continuar no parto normal e minha saúde estava ótima. Pensávamos primeiramente em um parto onde nossas mães pudessem estar presentes. Escolhemos o Hospital Mãe de Deus pela forma em que a equipe nos acolheu durante uma 1ª visita, pelo fato de permitir a participação de doula (minha sogra é doula) e ter uma sala de parto grande, o que facilitaria também a entrada da minha mãe. Com o passar do tempo recuamos, pois percebemos que este seria um momento nosso, em que queríamos estar conectados apenas a nós mesmos (e, por conhecer toda a equipe, sabíamos que eles respeitariam este momento tão nosso). 
 Na reta final da gestação, quando completei as 36 semanas, minhas dores de cabeça se intensificaram, o que pode indicar aumento de pressão para pessoas com lesão medular. 

A única mulher que tive acesso com uma lesão semelhante a minha (tetraplegia – nível C5/C6) que teve parto normal me passou o telefone de sua obstetra e, ao conversar com a médica, fui informada que foi necessário realizar a manobra de Kristeller (que é uma pressão feita com força na parte superior do útero para tornar mais rápida a saída do bebê). O obstetra que me acompanhava informou que não fazia este procedimento, já que ele pode causar lesões graves, como fratura de costelas e descolamento da placenta na mãe e/ou traumas encefálicos no bebê. 
 Com a dor que me deixava insegura, a informação sobre a manobra, riscos mínimos, mas existentes, na resposta da anestesia e muita conversa e esclarecimentos, ao passar das 39 semanas, precisei fazer a escolha mais difícil da vida, preconizar ou deixar que o nascimento da minha filha fosse natural. 
 O meu egoísmo em escutar os sinais do meu corpo e querer estar inteira no momento em que me tornaria efetivamente mãe, falou mais alto. No dia anterior à cesárea, perdi o tampão (uma camada de muco que fecha a entrada do colo do útero) e com ele experimentei um pouco da cumplicidade entre mãe filha, como se a Lara me dissesse: “mamãe eu já estava querendo chegar mesmo!”. 
 Fui julgada e apoiada, mas hoje, quando me olham atravessado ao falar sobre minha cesárea agendada, só consigo lembrar a cumplicidade do meu marido e da equipe, da minha segurança e serenidade, do cd rodando com as músicas que escutávamos durante a gestação e do cordão umbilical da Lara sendo cortado somente após ter parado de pulsar. Lembro de cheirar, beijar e dizer “a mamãe te ama, minha filha! Eu estou aqui!”.  

Minha cesárea não representa dor ou frustração, mas uma escolha que, por mais que possa não ser considerada “perfeita”, foi a que, conscientemente, dei conta de fazer... e não me arrependo! 
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